Entrevista com a iniciativa Computação na Escola por Danielle Nathália Gomes e Mauricio Taumaturgo/ Revista NAVE Recife
1) Como surgiu a Iniciativa Computação na Escola? Como a necessidade de criar essa iniciativa foi identificada?
Hoje estamos imersos em Tecnologia da Informação. Neste século, saber programar computadores se tornou uma habilidade básica e útil para todos e em todos os aspectos da vida. A computação é vista como um tipo de “poder mágico” que permite, àquele que é fluente em computação, realizar suas ideias por meio de animações, jogos, aplicativos – tudo que imaginar!
Com o crescimento do mercado de TI mundialmente há também muitas oportunidades para carreira profissional. Existem diversas opções interessantes e valorizadas de carreira pois basicamente todos os setores de indústria hoje envolvem computação (p.ex. artes, cinema, financeira, saúde, manufatura, segurança, etc.).
Porém, a maioria das escolas atualmente ensina somente o uso de TI nas aulas de informática formando consumidores de tecnologia. Mas para tornar o cidadão um protagonista ativo da criação de tecnologia no mundo atual, é essencial o ensino de computação, incluindo pensamento computacional e a prática de programação para preparar os alunos a inovar e criar novas soluções. Saber computação é importante para o sucesso futuro dos alunos, de forma que possam fazer diferença na sociedade global.
Em nosso trabalho na UFSC e à industria de TI, sentimos no dia-a-dia que existe uma enorme falta de mão de obra para a área do desenvolvimento de software e muitas oportunidade de emprego. Isso é em parte gerado pela pela desmotivação causada nos alunos por um ensino equivocado de tecnologia, onde se ensina automação de escritório e não computação. Tanto o aluno quanto os pais dele devem ser levados a perceber que ele pode participar de forma criativa e ativa do desenvolvimento de novas tecnologias de software e que isso pode ser muito divertido e realizador. O trabalho com compoutação, além disso, por ser algo onde o aluno só precisa de acesso a um computador e de sua cabeça, tem o potencial de ser um enorme fator de mobilidade social com fantásticas oportunidades de trabalho.
Motivados por esta razão criamos a Iniciativa Computação na Escola, coordenada pelo INCoD – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Convergência Digital, ligado à INE/UFSC e ao MCTI em cooperação com o IFSC – Instituto Federal de Santa Catarina, dedicada a ampliar o ensino de computação no Ensino Fundamental e Médio.
O nosso objetivo é a concepção, desenvolvimento, aplicação e avaliação de unidades instrucionais interdisciplinares, de baixo custo e baseadas em software livre e hardware aberto, para ensino da computação na escola. Isto inclui unidades escolares interdisciplinares (10-12 horas-aula) em diversas disciplinas (como história, línguas, geografia) ou oficinas familiares (3-4 horas-aula), em que pais/responsáveis e seus filhos aprendem juntos pensamento computacional e habilidades básicas de programação.
Defendemos a visão de que todos os alunos, em todas as escolas, devem ter a oportunidade de aprender computação com o objetivo de popularizar a computação. Acreditamos também que a participação dos pais e outros membros da família neste processo pode ter um impacto positivo significativo. Com isso espera-se a popularização de competências de computação, e ao mesmo tempo, a conscientização e o interesse dos alunos sobre a área de computação atraindo também meninas e outras minorias atualmente subrepresentadas nessa área.
2) Por que ensinar computação nas escolas? Existe um currículo/assuntos gradual para cada idade/série?
A inclusão do ensino de computação na Educação Básica é uma tendência mundial sendo realizada já em diversos países como na China, alguns estados dos EUA, e vários países na Europa, onde por exemplo Inglaterra inclui a disciplina de computação como disciplina obrigatória para alunos de 5 até 16 anos, ou na Austrália onde foram substituídas as disciplinas de história e geografia pela computação.
No mundo atual onde o software está presente em tudo, de negócios, saúde, telecomunicações a transporte etc. é essencial que todos os cidadãos possuam conhecimento mínimo de computação, que vai além do simples uso de sistemas de software. Desta forma acreditamos que a computação hoje deve fazer parte do currículo no Ensino Fundamental e Médio, da mesma forma como atualmente biologia, física, química e matemática.
Agrega-se a isso, o fato de que a computação abre também oportunidades para interessados em uma carreira profissional nesta área em que atualmente existe uma grande oferta de empregos bem valorizados e interessantes nos mais diversos setores.
Seguimos as diretrizes de currículo CSTA/ACM Curriculum Guidelines K-12 que dividem o ensino de computação do infantil até o ensino médio em três níveis, definindo objetivos de aprendizagem de acordo com cada nível etário.
3) Qual o perfil da escola/alunos para implantação Iniciativa Computação na Escola? Como as escolas/alunos são selecionados?
No âmbito da nossa iniciativa realizamos diversos tipos de unidades instrucionais incluindo oficinas de pais e filhos, tipicamente abertas para qualquer interessado, tanto em unidades escolares que pilotamos, quanto em escolas públicas e particulares. No nível do Ensino Médio, também aplicamos unidades no IFSC – Instituto Federal de Santa Catarina.
Nas escolas, as unidades instrucionais ocorrem ou como atividade curricular dentro de uma disciplina envolvendo toda turma e/ou como atividade extracurricular com os alunos interessados.
Os nossos pilotos nas escolas são realizados dentro do nosso convênio com a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, no IFSC e nas escolas interessadas em participar dos pilotos.
4) Quais os desafios encontrados no ensino da computação? Barreiras tecnológicas e cognitivas foram consideradas? Quais? Como foram tratadas?
Iniciando as nossas atividades, identificamos como principal desafio a falta de unidades instrucionais prontas para serem utilizadas. Com esta motivação, desenvolvemos várias unidades e disponibilizamos no nosso website, incluindo: o desenvolvimento de jogos com Scratch de forma interdisciplinar em disciplinas de história, o desenvolvimento de um app de jogo “Caça Mosquito” com App Inventor e a programação de um robô interativo integrando Arduino e Scratch/Snap! com uma solução baixo-custo.
Assim, nossas unidades de ensino são projetadas de maneira a superar vários obstáculos ao ensino de computação:
- Oficinas em família: para ensinar os pais juntamente com seus filhos, a fim de aumentar o incentivo e apoio dos pais de forma que eles também compreendam a importância da computação;
- Integração interdisciplinar: especialmente com disciplinas de outras áreas, como: artes, história, etc. com finalidade de permitir aos alunos uma experiência de computação através de diferentes campos de conhecimento;
- Soluções de baixo custo e/ou software livre: (por exemplo, utilizando Arduino e Scratch) permitindo também o amplo acesso de alunos de baixa renda ao ensino de computação nas escolas públicas brasileiras.
Nos nossos pilotos encontramos diversos problemas tecnológicos em relação à infraestrutura das escolas, principalmente incluindo o acesso |à Internet, atualização de sistemas operacionais, e dos próprios computadores (p.ex. disponibilidade de mouses no uso de notebooks). Outras questões se referem a gerência de contas dos alunos e a gerência de backups. Observamos também resistências por lado de alguns professores por sobrecarga de trabalho ou falta de formação técnica na área de computação.
5) Como ocorre a seleção e capacitação dos professores que ensinam a disciplina? Apenas professores da área de computação foram capacitados para ensinar esta disciplina ou a proposta do currículo é que professores de qualquer área seja capacitado para ensinar ciência da computação?
Como o nosso foco é a experimentação das unidades instrucionais desenvolvidas, todas as unidades instrucionais foram ministrados por professores de computação/eletrônica e/ou alunos de graduação/pós-graduação do Departamento de Informática e Estatística (INE) da UFSC ou do IFSC em conjunto com os professores do Ensino Básicos das disciplinas em que as unidades foram aplicadas.
Visando a ampla aplicação das unidades instrucionais estamos no momento trabalhando na preparação de unidades para a formação de professores do Ensino Básico, para que eles mesmos possam aplicar as unidades instrucionais de maneira independente.
6) Como os resultados obtidos no ensino da computação foram analisados? Quais indicadores são usados para essa análise? Quantas escolas adotam o currículo?
Para sistematicamente avaliar os resultados do ensino de computação desenvolvemos o modelo dETECT (Evaluating TEaching CompuTing), um modelo para a avaliação da qualidade de unidades instrucionais focadas no ensino da computação na Educação Básica com base na percepção dos alunos. Entendemos que uma unidade instrucional (oficina, curso, etc.) de qualidade é aquela que atinge os seus objetivos de aprendizagem, promove atividades prazerosas que facilitam a aprendizagem e que desperta uma percepção positiva e interesse referente à área de computação.
A medição é operacionalizada pelo desenvolvimento de um instrumento de medição (questionário) pós-unidade a ser respondido pelos alunos.
Pilotamos as unidades instrucionais desenvolvidas, tanto dentro de escolas, quanto de forma extracurricular em Santa Catarina envolvendo aproximadamente 500 crianças e mais do que 100 adultos (pais).
7) Na sua opinião quais problemas, existentes na graduação, seriam resolvidos ao ensinar computação/programação nas escolas de ensino fundamental/médio?
Observando uma taxa alta de evasão em cursos de computação, principalmente nas primeiras fases, acreditamos que um dos problemas pode ser a falta de entendimento prévio da área de computação na população, o que pode levar pessoas ter uma falsa impressão do que realmente se aprende nestes cursos e, consequentemente, a sua desistência. Por outro lado, essa mesma visão pode impedir que pessoas se interessem por cursos superiores de computação, mesmo tendo plenas condições de concluir esses cursos com sucesso, incluindo por exemplo meninas atualmente subrepresentadas – especialmente quando se observa a participação de mulheres em outros cursos relacionadas como a matemática. Assim, ensinando computação no ensino básico pode-se fornecer uma compreensão melhor sobre a computação e assim atrair mais diretamente o público-alvo.
8) Você acha que todos as pessoas são capazes de aprender programação?
Sim – observamos em diversos pilotos, em escolas básicas e oficinas com pais e filhos, que crianças já com 6 anos conseguem aprender conceitos básicos de computação por meio da programação de jogos, aplicativos ou robôs interativos usando linguagens de programação visual como Scratch, Snap! ou App Inventor. Com base nas nossas experiências observamos que crianças, por sua curiosidade e por não terem medo, aprendem programação facilmente ficando bastante motivados em aprender mais.
Exemplo de programa Scratch desenvolvido por aluno do 1. Ano do Ensino Fundamental inserido no projeto interdisciplinar sobre Chapeuzinho Vermelho
9) Você defende a criação de um currículo nacional para ser implementado nas escolas (fundamental e médio)?
A definição de um currículo nacional é essencial para implantar de forma sistemática e adequada o ensino de computação nas escolas básicas no Brasil. Um currículo nacional deve ser alinhado as principais diretrizes de currículo internacionais como p.ex. as CSTA/ACM Curriculum Guidelines K-12 e deve abordar principalmente o pensamento computacional e a prática de programação, além de habilidades de colaboração e conhecimento de dispositivos e os impactos da computação.
Levando em consideração a falta de professores do Ensino Básico formado explicitamente para o ensino de computação, este currículo obrigatoriamente deve prever o ensino de computação de forma interdisciplinar integrado a outras disciplinas.
Essencial para a sua efetiva aplicação, então, também é a formação de professores do Ensino Básico (de outras áreas) para capacitá-los a integrar o ensino de computação nas suas disciplinas. Além de fornecer kits de unidades instrucionais prontos para serem usados como suporte para os professores.